No dia 30 de agosto de 2024, data em que se celebra o Dia Internacional das Vítimas de Desaparecimento Forçado, ocorreu finalmente a reinstalação da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP). Criada em 1995 pela lei 9.140 e extinta de forma ilegal no último dia do governo de extrema-direita de Bolsonaro, a CEMDP é um dos pilares das importantes, ainda que muito limitadas, medidas adotadas pelo Estado brasileiro para promover os direitos a memória, reparação e verdade das vítimas de graves violações de direitos humanos perpetradas pela ditadura militar.
O compromisso com a recriação da CEMDP foi assumido publicamente pelo governo Lula. Havia uma ampla expectativa de que ela fosse reinstalada ainda em março de 2023, logo após a posse do Presidente. Contudo, essas expectativas foram frustradas e seguiram sendo reiteradamente frustradas por longos um ano e oito meses, tempo que o governo levou para finalmente recolocar o colegiado de pé.
Nós reconhecemos o esforço de parte do governo, notadamente do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, para viabilizar a retomada dos trabalhos do órgão, e lamentamos que esses esforços tenham sido, por tanto tempo, sobrepostos pelos setores que desprezam a memória dos que foram mortos pela ditadura militar. Enfatizamos ser grave que, mesmo após a tentativa de golpe do 8 de janeiro, os militares tenham tido capacidade de bloquear essa agenda por tanto tempo, fato que revela, mais uma vez, os limites de uma democracia incapaz de subordinar suas Forças Armadas definitivamente ao poder político civil.
Temos plena convicção de que a recriação da CEMDP não foi um favor ou um ato de vontade do governo. Ela se deu mediante a intensa pressão nacional e internacional, quadro em que se destacam as comitivas de familiares que foram a Brasília lutar pela medida e mais um julgamento do Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos, relativo ao caso Bacuri.
Por isso, este 30 de agosto foi um dia de celebração desta vitória, um dia para relembrarmos aqueles que se foram lutando pela democracia e por um país mais justo, mas foi também um dia para reforçarmos que estaremos atentos para cobrar que a recriação da CEMDP não seja apenas um ato simbólico. É fundamental que o governo garanta que ela terá condições orçamentárias, políticas e institucionais para desenvolver seu trabalho de forma plena.
Nesse sentido, a Coalizão Brasil por Memória, Verdade, Justiça, Reparação e Democracia seguirá mobilizada, ao lado da luta protagonizada há tantas décadas pelos familiares de mortos e desaparecidos políticos, com o intuito de garantir que nosso esforço pela recriação da Comissão se traduza em avanços reais na garantia dos direitos das vítimas da ditadura e de seus familiares.
Defendemos, como uma agenda mínima da retomada da CEMDP:
- Que o governo garanta um orçamento que viabilize de forma integral os trabalhos da Comissão, destacando a necessidade de ampliação dos recursos humanos do órgão;
- Que sejam retomadas as iniciativas interrompidas com a chegada da extrema-direita ao poder, incluindo os encontros de familiares, com destaque para a necessidade de realização de encontros regionais;
- Que seja instituído um comitê de acompanhamento das atividades da CEMDP composto por entidades da sociedade civil;
- Que a CEMDP verifique, à luz do seu regimento interno, formas de viabilizar a reabertura do prazo para acolhimento de novos casos, com destaque para a necessidade de incluir setores historicamente excluídos do seu escopo, tais como indígenas, camponeses, moradores de favelas e periferias e a população negra;
- Que a CEMDP assuma um caráter pedagógico para seus trabalhos, na forma de maior presença pública e do desenvolvimento de ações educativas.
- Que se leve em conta a inversão do ônus da prova na análise dos requerimentos, haja vista a dificuldade de muitos familiares para levantar o conjunto probatório necessário.
Essas medidas devem se somar a outras iniciativas estatais com o intuito de retomarmos a agenda de luta por memória, verdade, justiça e reparação no país, dentre as quais destacamos a necessidade de estabelecimento do órgão de acompanhamento permanente das recomendações da Comissão Nacional da Verdade por parte do Executivo, a necessidade do afastamento definitivo da Lei de Anistia por parte do Judiciário e a imediata abertura dos arquivos militares, inclusive para o bom funcionamento desta comissão.