Manifesto

Promover memória, verdade, justiça e reparação para reconstruir a democracia

O Brasil tem uma história marcada pela violência. A colonização, a escravização e o genocídio de povos originários, africanos e afrodescendentes deixaram um legado de autoritarismo, patriarcalismo e racismo institucional que marcam até hoje nossa sociedade.

Mas nossa história também é marcada pela firme resistência popular. Ajuricaba, Zumbi, Dandara, Luíza Mahin, Tiradentes, Frei Caneca, Mandu Ladino, Dragão do Mar, João Cândido, Anita Garibaldi, Olga Benário, Marighella, Lamarca, Marielle Franco, Margarida Maria Alves, Chico Mendes, Bruno Pereira e tantos outros tiveram seu sangue derramado para defender os sucessivos ataques aos legítimos anseios do povo.

Para manter seus privilégios, nossas elites sempre buscaram construir estratégias para impor um esquecimento sistemático tanto das violências quanto das resistências. Nesse longo acúmulo de brutalidade e barbárie, o golpe de Estado civil-militar de 1964 e a ditadura por ele instaurada constituem mais um capítulo.

Articulado pela elite econômica e setores das Forças Armadas, com amplo apoio da imprensa, dos Estados Unidos da América, da Igreja e de parte das classes médias, o golpe abriu caminho para a adoção de políticas que afetaram profundamente a vida do povo brasileiro e aniquilaram seus direitos.

O aumento brutal da desigualdade social; a perseguição aos sindicatos; a ampliação da violência no campo; a adoção de um projeto de desenvolvimento marcado pelo genocídio dos povos indígenas; o incentivo aos grupos de extermínio e esquadrões da morte; remoções em massa de famílias das áreas centrais de cidades, a perseguição à população LGBTQIA+ nas cidades; o monitoramento e a perseguição a articulações político-cultural negras; a censura e o silenciamento das manifestações artísticas; o expurgo de militares progressistas das fileiras das Forças Armadas – estes foram alguns dos legados do regime ditatorial.

Para implementar essas políticas, a ditadura monitorou, perseguiu, censurou, prendeu, torturou, assassinou e desapareceu com os corpos de milhares de brasileiros que se engajaram nas mais diversas formas de resistência.

Diante da firme resistência dos mais abnegados homens e mulheres do povo, muitos deles pagando com a própria vida para sustentar a luta em defesa da liberdade e da soberania nacional, e do esgotamento do modelo econômico e político da ditadura, os militares e as elites políticas civis organizaram uma transição para salvar a própria pele.

Tendo como elemento central a Lei de Anistia de 1979, imposta por meio de um Congresso controlado, a abertura política foi marcada pelo discurso da “reconciliação”, que representava mais uma vez a tentativa de impor o esquecimento sobre o passado repressivo.

Esse mesmo discurso foi utilizado nas últimas décadas, pelas elites políticas, econômicas e militares, para tentar impedir quaisquer avanços na promoção dos direitos à memória, à verdade, à reparação e, principalmente, à justiça, para as vítimas da ditadura e seus familiares.

O não-reconhecimento desse passado marcado por múltiplas violências abriu caminho para o surgimento do governo de extrema-direita de Jair Bolsonaro. Desde o golpe de 2016, e de forma mais intensa após 2018, os generais retomaram o protagonismo na vida política nacional, aprofundando a militarização do Estado.

Hoje, diante de um governo que promove a apologia do genocídio indígena e da população negra, da tortura, das execuções, dos desaparecimentos forçados, da exploração das riquezas naturais pelo poder econômico privado e do golpe e da ditadura, nós vivenciamos um momento particularmente grave na batalha por Memória, Verdade, Justiça e Reparação sobre as violências do Estado e por uma democracial efetiva!

Com a aproximação das eleições de 2022, diante da inevitável derrota nas urnas – e o consequente julgamento dos crimes de lesa humanidade que ele praticou –Bolsonaro, apoiado por generais golpistas, vivem a questionar a lisura das urnas eletrônicas, num claro indício de que pretendem sabotar a soberania do voto popular. Não passarão!

Frente a esse cenário, nós, movimentos sociais, entidades, organizações, coletivos, comitês e militantes que atuam na luta por direitos humanos e no combate a todas as formas da violência do Estado, fundamos a Coalizão Brasil por Memória, Verdade, Justiça Reparação e Democracia.

A Coalizão tem por objetivo defender a centralidade dos direitos humanos, da memória, da verdade, da justiça e da reparação como instrumento de luta pela democracia. Entendemos que a ação política coletiva contra as violações de direitos humanos de hoje passa pelo combate às raízes da violência e pela recuperação da memória da resistência.

A luta para desnaturalizar esse corte entre passado e presente, e para apontar as permanências e continuidades na nossa história é o que nos une. Precisamos derrotar Bolsonaro nas ruas e nas urnas.

Em seguida, teremos de enfrentar uma tarefa ainda mais difícil: derrotar a mentalidade, amplamente disseminada na sociedade brasileira, que legitima a violência do Estado – que hoje atinge especialmente a juventude negra moradora de favelas e periferias e os povos originários -, ataca os direitos humanos e seus defensores, e que está no centro do imaginário bolsonarista.

Exigimos das Forças Armadas não só um pedido oficial de desculpas à Nação brasileira, mas, principalmente, que seja levada a cabo uma reforma militar que acabe com a velha doutrina da ditadura.

Demandamos a revogação dos entulhos autoritários da ditadura, o funcionamento pleno e adequado da Comissão de Anistia e da Comissão Especial sobre mortos e Desaparecidos, o cumprimento das recomendações da Comissão Nacional da Verdade e das sentenças que condenaram o Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Exigimos a reinterpretação já da lei da anistia de 1979, para que sejam punidos agentes de Estado e empresas responsáveis pelas violações aos direitos humanos da ditadura. Colocamo-nos ao lado dos movimentos sociais do campo, dos povos originários e do povo negro, que lutam diariamente por direitos humanos e contra o terrorismo de Estado.

Apenas com o reconhecimento das violências do passado e com a recuperação das memórias das resistências será possível construir um novo futuro.

  • Fora Bolsonaro;
  • Pela defesa e fortalecimento da Comissão de Anistia e da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos e pela ampliação das políticas de Memória, Verdade, Justiça e Reparação para todas as vítimas da violência do Estado;
  • Pelo cumprimento das recomendações da Comissão Nacional da Verdade e das Comissões Estaduais e Setoriais da Verdade;
  • Pelo cumprimento das Sentenças do Caso Araguaia, do Caso Herzog e do Caso Favela Nova Brasília da Corte Interamericana de Direitos Humanos;
  • Responsabilização para as graves violações aos direitos humanos da ditadura;
  • Pelo fim do genocídio da juventude negra!
  • Pelo fim dos massacres aos povos originários!
  • Para que não se esqueça, para que nunca mais aconteça!
  • Ditadura nunca mais!! Democracia sempre!